Funcionalismo: a mente é um conjunto de funções
Imagine-se em uma cozinha. Na sua frente, há uma tábua de cortar e vários tipos de facas – uma de aço, uma de cerâmica e até mesmo uma feita de plástico resistente. Apesar de suas diferenças materiais, todas elas são reconhecíveis como facas. Por quê? Porque todas podem executar a mesma função essencial – cortar. A composição material específica – aço, cerâmica, plástico – não é o que define uma faca. O que a define é o que ela faz, o seu papel ou função.
A resposta do funcionalismo para o que é a mente lembra em certos aspectos o que dissemos sobre as facas. Para essa abordagem, o que define a mente não é a matéria da qual é feita, mas sua função. Assim como uma faca é definida pela função que executa (cortar), o funcionalismo argumenta que os estados mentais são definidos pelo papel ou função que desempenham, não pela “substância” de que são feitos.
Por exemplo, vamos considerar a sensação de dor. O que faz com que uma sensação seja de dor? Para o funcionalista, a dor é definida não pela substância que a compõe, mas pela função que desempenha. A dor geralmente é causada por algum dano ao corpo e tende a causar outras reações, como o desejo de evitar o que a causou, o comportamento de proteger a área afetada, certas expressões faciais, gemidos ou gritos e assim por diante. Portanto, é a função ou o papel que a dor desempenha em nossa vida mental que a define como dor.
Considere ainda um segundo exemplo. A luz refletida pelas gotas de chuva atinge seus olhos e essa informação visual viaja até o seu cérebro, criando a crença de que está chovendo. Agora, suponha que você não queira se molhar. Isso cria o desejo de ficar seco e, em resposta a essa crença e ao desejo, você forma a intenção de pegar um guarda-chuva.
Todos esses estados – a crença de que está chovendo, o desejo de ficar seco, a intenção de pegar um guarda-chuva – são exemplos de estados mentais. Segundo o funcionalismo, o que define esses estados mentais não é o tipo de “substância” de que eles são feitos, mas sim as relações causais entre eles e como eles respondem a estímulos do ambiente e influenciam o nosso comportamento.
Ou seja, o seu cérebro processa a informação visual da chuva, isso causa o estado mental da crença de que está chovendo. A ideia de se molhar causa o estado mental do desejo de ficar seco. Juntos, esses estados mentais levam ao comportamento de ir pegar um guarda-chuva.
Sendo assim, a primeira coisa que precisamos entender é que, de acordo com o funcionalismo, a mente é um conjunto de processos, funções e relações causais.
Por que ver a mente como uma função?
Para começar, precisamos considerar que a mente não é algo exclusivo dos seres humanos. Animais também possuem mentes, e, se existirem, é provável que extraterrestres as tenham. Além disso, estamos cada vez mais próximos de criar Inteligências Artificiais que possam ter o que chamamos de “mente”. Essa ideia de que a mente não está confinada a uma espécie ou tipo de organismo é conhecida como a “múltipla realizabilidade da mente”.
A “múltipla realizabilidade” sugere que a mente pode ser implementada em diferentes tipos de substratos. Se pensarmos na mente como uma função, fica mais fácil de entender como isso é possível. Assim como um aplicativo de smartphone pode funcionar tanto em um iPhone quanto em um Android, a mente – um conjunto complexo de funções cognitivas – poderia funcionar tanto em um cérebro humano, feito de material orgânico, como em um cérebro de um animal, um extraterrestre ou até mesmo em um computador avançado.
Essas possibilidades mostram que pensar na mente como faz o o funcionalismo, não como as substâncias específicas das quais é feita (como neurônios no caso dos seres humanos), mas as funções que ela executa. Se essas funções podem ser realizadas por diferentes tipos de substratos – seja um cérebro humano, um cérebro animal, um extraterrestre ou uma IA – então, cada um deles pode, em teoria, ter uma “mente”.
Software e hardware
Uma analogia frequentemente usada para ilustrar a perspectiva funcionalista da relação entre mente e matéria é a comparação entre um computador e seu software.
Para começar, pense no “hardware” de um computador – isso inclui todas as partes físicas, como o processador, a memória, o disco rígido, etc. Essas partes do computador são como o cérebro físico em nossa analogia.
Agora, pense no “software” – os programas e dados que o computador executa e processa. Isso é comparável à mente em nossa analogia.
O software não é uma coisa física. Não é feito de matéria. Você não pode segurar um programa de computador em sua mão. Mas o software tem uma existência real, porque ele pode fazer coisas – ele pode processar dados, exibir informações na tela, controlar o hardware do computador, e assim por diante.
Agora, o ponto crucial aqui é que o software pode ser executado em múltiplos hardwares. O mesmo programa pode ser executado em diferentes tipos de hardware de computador. Pode ser um PC Windows, um Mac, um servidor Linux ou até mesmo um supercomputador. Enquanto o hardware for capaz de executar as funções requeridas pelo software, não importa de que material específico o hardware é feito.
O funcionalismo sugere que algo semelhante é verdadeiro para a mente. A mente é como o software e o cérebro é como o hardware. A mente não é uma coisa física, mas uma organização de funções mentais – pensamentos, sentimentos, percepções, memórias, e assim por diante. E estas funções mentais, como um programa de software, são “multiplamente realizáveis”. Elas poderiam, em princípio, ser realizadas em diferentes tipos de “hardware” – não apenas cérebros humanos, mas talvez também cérebros de animais, computadores, ou qualquer outro sistema capaz de realizar as funções requeridas.
Então, o que é essencial para ter uma mente, de acordo com o funcionalismo, não é ser feito de um certo tipo de material (como neurônios), mas ser capaz de realizar certos tipos de funções mentais. Assim como o que é essencial para rodar um software não é ser um certo tipo de computador, mas ser capaz de realizar as funções requeridas pelo software.
Dualismo mente-corpo ou materialismo?
No início, pode parecer que o funcionalismo se inclina mais para o materialismo, já que costumamos associá-lo a analogias com computadores e máquinas, que são claramente objetos materiais. No entanto, a realidade é que o funcionalismo é bastante neutro quanto à natureza do “hardware” – a substância física na qual a mente, ou a “função”, opera.
Vamos entender isso um pouco melhor. O funcionalismo se concentra nas operações e processos da mente – nas funções cognitivas, em vez de em sua composição material. Ele argumenta que essas funções poderiam ser realizadas por diferentes tipos de substratos. Isso significa que a “mente” de um humano, um animal, um extraterrestre, ou até mesmo de uma inteligência artificial avançada ou uma alma imaterial, são todas equivalentes em um sentido funcional, desde que possam realizar as mesmas funções cognitivas.
Nesse sentido, o funcionalismo é agnóstico quanto à natureza do substrato. Ele não se importa se a mente opera em um cérebro feito de neurônios e sinapses, um sistema alienígena desconhecido, ou um sistema de silício de um computador. Desde que a função seja realizada, a mente pode existir.
Aqui, vemos que o funcionalismo se afasta tanto do idealismo quanto do materialismo. O idealismo argumenta que tudo é essencialmente mental ou espiritual, enquanto o materialismo defende que tudo é fundamentalmente físico. O funcionalismo, por outro lado, sugere que a mente não é nem puramente mental (como no idealismo) nem puramente física (como no materialismo), mas uma espécie de sistema funcional que pode ser implementado em várias formas físicas ou não físicas.
Em outras palavras, o funcionalismo não toma partido no debate entre idealismo e materialismo. Em vez disso, oferece uma perspectiva diferente que foca na função e na operação da mente, em vez de sua composição ou natureza fundamental.